O Coração Pulsa no Desconhecido

Por Prem Milan
1973, 41 anos atrás… é um tempo longo! Eu era um garoto que não amava nem os Beatles nem os Rolling Stones. Era um burguês de Garibaldi, com status social, contente com minha posição na vida, que achava que tudo estava certo… um idiota com amigos idiotas. Neste cenário recebi uma carta da minha irmã, de umas quatro páginas. Essa carta me instigava a enxergar que a vida poderia ser mais, que existiam coisas maiores que aquelas relações pequenas. Na minha cabeça aquilo era uma viagem, eu não conseguia entender que podia existir algo mais. Ela falava coisas do tipo: “tu vais casar, ter filhos, trabalhar, se aposentar e ter a mesma vidinha…” e eu achava que aquilo era tudo que eu podia querer na vida: casar e ter filhos! Aguardava a chegada do meu momento desta apoteose.
Sair de Garibaldi pra mim era sem sentido – sem conhecer ninguém noutro lugar, sem carro, passar privações, dificuldades: pra que isso? Tudo em casa era tão tranquilo, tão normal, eu sabia tudo que ia acontecer… Mas meu coração se excitava. Tinha um lado que dizia “quem sabe, arrisca?” E cada vez que aparecia uma guria de fora da cidade, era uma “deusa”. Cada vez que aparecia alguma pessoa diferente, todo mundo queria conversar com essa pessoa. Isso me deixava com um ponto de interrogação.
Um dia num daqueles bailes eu tomei um porre, como sempre. Só que nesse dia eu deitei na cama e não conseguia dormir. Eu sentia uma dor tão grande, um desespero, que me assustou. E eu comecei a desconfiar daquele meu encantamento com a vidinha pacata. Algo tinha vazado no meu mundo limitado, coincidindo com o fato de eu não conseguir viver um amor.
Meu coração começava a ficar cada vez mais excitado com a possibilidade de sair dali e ir para o novo, o desconhecido… e o meu ego, totalmente apavorado, queria derrubar qualquer possibilidade disso acontecer. Mas eis que, num impulso, eu consegui decidir ir pra Porto Alegre. A justificativa era não ter que repetir o primeiro ano do ensino médio, já que em Porto Alegre eu podia ir pro segundo e recuperar a matéria na qual eu havia rodado.
Eu nunca vivi tanto medo quanto naqueles primeiros quinze dias em Porto Alegre! Um verdadeiro pânico de todo aquele desconhecido. Não via a hora de voltar pra Garibaldi. Até haver um período de 15 dias sem aulas, naquela época da ditadura acontecia isso. Voltei pra Garibaldi e era um paraíso! Que coisa boa! O pessoal de papo na barbearia em frente à minha casa era a conferência dos deuses do Olimpo! As meninas pareciam dez vezes mais bonitas. Tava deicidido: não voltaria mais pra capital.
Mas isso durou uma semana e aí eu comecei a ver que o encantamento tinha quebrado. Meu coração pulou: vou encarar o medo! Sentia uma alegria inusitada. E pro meu ego o mote foi: “vou provar que eu sou capaz”! Essa é a diferença: o coração canta, dança, existe no desconhecido; no normal, no habitual, ele murcha, seca.
Essa foi a mosca que perturbou meu sono e que trouxe aventura pra minha vida. E também muitas dificuldades, conquistas, loucuras inimagináveis, amores incontáveis, amizades profundas. Aprendi que o coração ama o desconhecido e que as moscas que perturbam o sono são uma bênção.
Em vários momentos da vida essa mosca pousou em mim e perturbou o meu sono. Eu tentei matá-la, corri atrás dela desesperado, fiz de tudo para que parasse de zumbir… mas depois de desperto, vendo as coisas que aconteciam na minha vida, ficava grato à mosca. Ainda bem que as moscas se renovam, pois se essa mosca não tivesse me acordado, cara, eu seria uma tragédia humana como tantas outras que estão por aí. O que chamo de tragédia é uma vida sem graça, com pouco amor, pouco desafio, pouca descoberta.
Como dizia Raul, se você mata uma, vem outra em seu lugar.
Esse blog é isso!
Nós precisamos ser constantemente perturbados para não poder dormir. Enquanto a gente dorme, nossa humanidade é roubada, nosso coração é surrupiado, trancafiado, congelado. O medo toma conta de nós, a não-vida se expande como algo natural. Nos transformamos em zumbis. O sistema nos fez desacreditar de tudo e todos. Pensamos “não adianta, não vai dar certo…”.  Dá certo!
Dizer que o amor não adianta, que um tempo depois acaba… e daí? Só o fato de sentir, de existir, de seu corpo ficar excitado, sem drogas, de experimentar a sensação de “não caber em si” é muito maravilhoso.
A mosca está aí para te acordar, para contrapor todo esse sistema babaca, idiota, que nos faz ficar irônicos com a nossa própria desgraça, com a nossa desumanidade. Em vez de nos rebelarmos, nós ironicamente aceitamos.
Esse blog é um espaço para denunciar, recriar, acabar com essa caretice que se camufla cada vez mais por trás de conceitos que outrora eram revolucionários e hoje viraram chavão do desperdício humano. Essa mosca me acorda, te acorda… É nós, tu, eles e isso é bom! Isso é humano! É uma forma de esculhambar com a nossa adaptação a esse sistema decadente. É manter viva a chama dentro de nós, é manter viva essa busca pelo que há de mais rico dentro de mim.
Poder compartilhar com os outros é se conectar, é divergir, é pensar, é sentir, é buscar, é brigar… condições humanas. Sair dessa ironia estúpida que nos tornou céticos e nos roubou os sonhos. E dá-lhe anti-depressivos, drogas lícitas ou ilícitas, o entorpecimento do shopping center, o excesso de comida, relações virtuais fictícias e não sei mais o que, pra encher um pouco este vazio de sentido.
Deixa a mosca te acordar! Nem precisa deixar, ela vai te acordar, ela vai te incomodar. Se você ficar brabo, que bom! São os primeiros sintomas de sair do entorpecimento. Se você ficar esperançoso, que bom! Talvez aí esteja a sua onda. E se você detestou, é para detestar mesmo!
Então te liga, não durma no ponto que a mosca tá aí para perturbar o teu sono e toda terça ela vai pousar na tua tela.

11 comentários sobre “O Coração Pulsa no Desconhecido

    • Que venham as moscas!!… que seus zumbidos tomem conta e desequilibrem toda a estabilidade artificial…que as defesas sejam postas ao chão e que a cada mosquinha liquidada venham outras para seguirmos cada vez mais fundo… no mergulho do desconhecido em nós mesmos… Sabe onde reside o teu medo?? Vai lá!!! ZzzzZzzzZzzz “Não se contente com pouco amor, com pouca vida”!!!

  1. Salvem as moscas de todas as espécies!! Quantas já passaram em meu sono e me acordaram para a vida. Não preciso e nem quero ddt e baygon, quero desafios e escolhas, um “bem-vindo” ao invés de um “bom dia, tudo bem?”. Namastê!

  2. Moro numa comunidade que constantemente perturba meu sono, que não me deixa acomodar, vira e mexe fico me perguntando: será que vou ter que ser questionada o resto da minha vida??? E quando vou pra dentro a resposta é: siiimmm e que bom que tenho muitos amigos que embarcam nessa viagem de aventura comigo!! Esse texto só me da muita gratidão por todos meus amigos que me empurram, zumbizam minha vida pra eu não ser uma babaquinha burguesa!! Que apesar de todos defeitos que eu tenho, nunca desistem de mim, (olha que eu sou bem cabeça dura!) Obrigada a cada um que perturbou meu sono e me mostrou que a vida é muito mais, obrigada a comunidade que eu moro que é um lugar muito foda que trás muito crescimento e me fez eu me tornar um ser humano, obrigada por todos os desafios, todas as coisas lindas que já criei e crio, obrigada por todos os momentos difíceis que eu já vivi, por todos os momentos de êxtase e de muito amor…. obrigada por me deixar florescer e perceber a pessoa tão linda que eu sou… gratidão por tudo.

  3. Ah! pois então, A Mosca, acho que já tinha algumas me perturbando quando comecei a viajar faz 14 anos atrás, alguma coisa eu queria mas não sabia o quê. Até ouvir falar de Osho e essas meditações ativas que me perturbaram muito e que adorei, daí foi muita moscaria!!! que até hoje me acompanha…

  4. A vida só começa a acontecer quando nossa consciência acorda. Porque vida é consciência.Tudo isso mexe muito comigo, sentindo a mosca me incomodar,fazendo eu sonhar em sair do meu comodismo e da minha vidinha fútil.

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